2 de maio de 2011

Modere-se com moderação - XONGAS -Ricardo Freire


As cervejas não são mais as mesmas. As que não mudaram de sabor mudaram pelo menos de controle acionário. A mudança maior, no entanto, aconteceu no âmbito dos slogans. Em vez de refrescar pensamento ou descer redondo, todo anúncio de cerveja agora termina com uma variação do mesmo conselho: beba com moderação.
A moda começou com os cigarros, que precisaram ceder cinco segundos de cada comercial para fazer propaganda eleitoral gratuita das advertências do Ministério da Saúde. Depois foi a vez dos remédios, que passaram a encaminhar o telespectador à sala de espera do médico, 'a persistirem os sintomas'. Aproxima-se o dia em que toda publicidade será obrigada a vir com o próprio antídoto.
No México, acredite, os comerciais dirigidos a crianças precisam trazer alguma mensagem educativa. Os anunciantes podem mostrar os pimpolhos se entupindo de sucrilhos ou de chocolate, desde que no pé da tela corra um letreiro com os dizeres 'Coma legumes e verduras' ou 'Escove os dentes três vezes ao dia'.
Taí um exemplo que poderia ser seguido aqui no Brasil. Não nos comerciais para crianças, evidentemente, porque nossas crianças não obedecem nem aos pais, que dirá a um rodapé de televisão. Mas talvez valesse a pena investir nos adultos. Comerciais de carros, de bancos ou de operadoras de celular ficariam mais úteis se trouxessem mensagens como 'Não fure a fila, ô mal-educado', 'Jogue a embalagem no lixo, seu porco' ou 'Sinal vermelho foi feito para parar, sabia?'.
Não. Pensando bem, não gostamos de nada muito impositivo. E aí reside o charme do beba-com-moderação. Uma coisa é você pegar e tascar uma imagem de feto malformado nas embalagens de cigarro. É tão violento, que você nem olha: ignora. Outra coisa é você usar da diplomacia. 'Desenvolva um enfisema pulmonar com moderação', por exemplo, seria muitíssimo mais eficiente.
Moderação é a chave de tudo. Esses irritantes comerciais de ofertas de eletrodomésticos, por exemplo, seriam perdoados se terminassem com um bordão tipo 'Endivide-se com moderação'. Cada nova guloseima lançada no mercado poderia advertir: 'Vicie-se com moderação'. Já 'Encha sua cara de espinhas com moderação' poderia fazer parte das campanhas de Páscoa dos supermercados. Produtos caríssimos, desses que você fica com raiva só de ver o anúncio, poderiam se proteger contra o mau-olhado com a frase 'Inveje com moderação'.
Já estava mais do que na hora de o Ministério Público obrigar os partidos políticos a encerrar seus comerciais e programas de TV com a frase: 'Acredite com moderação'. Caso o partido estivesse sinceramente engajado em se redimir e dizer só a verdade, poderia usar uma frase mais positiva - 'Desconfie com moderação'.
Se bem que, dada a tradição brasileira, daqui a pouco é muito provável que a palavra moderação siga o mesmo caminho de 'pra variar' e 'se dar bem', e acabe significando exatamente o contrário do que dizem os dicionários. Garçom, traz mais uma rodada aí - e com bastante moderação!